domingo, 14 de junho de 2015

meu sorriso do fernando brant





os encontros, os sorrisos e os abraços com pessoas amigas, aliviavam  a dor que pairava em todo o recinto.
cercado por amigos parentes e flores estava o morto. o poeta que guardava todos os amigos no lado esquerdo do peito, dentro do coração...

o fernando brant e sua poética entraram pessoalmente na minha vida aos meus 18 anos, e nessas décadas que se passaram, desenvolvemos uma pequena e sincera amizade, e uma grande admiração, a princípio pelo seu trabalho mas, a convivência revelou-me o fabuloso ser humano que vivia atrás daquelas palavras escolhidas e combinadas, que dão direções bonitas e firmes para um mundo melhor.
ao ver os seus amigos que desfrutaram de uma convivência maior com ele, me comovi pelo arraso emocional em que eles se encontravam.

nunca gostei de ir a velórios de amigos, e quando fui, não me aproximei muito do morto, ficava a uma certa distância aliviando as dores com os amigos em comum. 
e assim eu estava lá no palácio das artes, local onde em várias vezes apresentei meu trabalho em suas galerias e teatros, fôra levado pela simone andrade neves e pelo guto pela primeira vez numa situação assim, muito diferente a todas em que eu havia estado lá.
conversando com o tonico mercador, eu só imaginava como estaria o fernando atrás daquela aglomeração que rezava, pois não iria vê-lo assim, e me lembrava das últimas vezes que tinha me encontrado com ele. 
até lembrei do último velório que não fui: o da d. geralda, mãe do toninho horta. tinha me encontrado com ela, alguns meses antes da sua morte, ela com mais de 100 anos, sentadinha numa cadeira de rodas estava super entusiasmada, e com os braços abertos me falava: ‘beto, o galo ta demais!’ era época da libertadores, e se o galo provocava essa euforia na d. geralda tava demais mesmo!
agora, sempre que ouço falar na d. geralda essa é a imagem que abre as portas das lembranças que tenho dela. por isso estava evitando ver o fernando de perto. assim teria outras imagens sem ser a dele morto pra abrir a porta das lembranças daquele que também carrego no lado esquerdo do peito, dentro do coração.
mas aí o tonico me falou uma coisa que mexeu muito comigo, ele me disse que eu deveria ir lá, pois ele ainda estava ali
e eu senti que estava mesmo e fui. perto dele estava completamente arrasado o seu sobrinho e meu grande amigo robertinho que me ligara ainda mais ao fernando, e que bom estarmos juntos ali de novo.
enquanto passava a mão nos cabelos e rosto do fernando eu dizia emocionado a ele muitas coisas do meu sentimento, e num certo momento, percebi ou senti vindo dele um suave e traquina sorriso. 
aquilo me espantou, encantou e mexeu muito comigo no sentido de normalidade e realidade. 
de níveis de realidade.
vim para casa trazendo todo esse conjunto emocional que tem um velório e mais essa terna imagem de um sorriso. e no caminho sozinho as lágrimas embaçavam meus olhos ao ver as ruas, assim como aquele fino tecido embaçava o rosto dele.

hoje, um dia depois, penso; se eu senti que ele ainda estava ali, de alguma forma ele 'falou' pra mim. claro que pela força do seu espírito conversando comigo que naquele momento era só sentimentos..
foi mais uma lição do poeta. 
agora, sempre que eu ouvir falar no fernando ou ouvir algumas da suas canções, verei essa última imagem que ele deixou pra mim; esse sorrizinho suave e traquina,
que abre um mundo não só o das lembranças comuns, mas também que entre nós habitantes desse planeta, existe um mundo que nossos olhos educados normalmente não vê.
 só em algumas conjunções, 
em algumas coisas impossíveis.

agradecerei sempre ao amigo poeta que voa 
no lado esquerdo do peito, dentro do meu coração feliz.


bh14/06/2015
foto cristiano quintino



Um comentário:

mara disse...

bravo Gilberto! por ter ido, por ter sentido, por ter escrito tão bonito! sou sua fã#